terça-feira, 6 de julho de 2010

REFLEXÕES SOBRE A INFIDELIDADE: UM OLHAR LITERÁRIO


REFLEXÕES SOBRE A INFIDELIDADE: UM OLHAR LITERÁRIO

(Vinícius Guimarães)

- É isso o que quer? – perguntou Miguel, tentando engolir o nó na garganta. Não queria chorar, pois aprendera com o pai que um homem que verte lágrimas em frente a uma mulher, sempre seria subjugado por esta.
- Não sei lhe dizer se é o que quero. – redargüiu Heloisa, em tom de desapontamento. – Mas é o que preciso fazer. Eu lhe asseguro de que não é a primeira vez que um homem me humilha, expõe ao ridículo ou fere o meu amor próprio. É estranho, pois a dor que sinto ao descobrir a sua traição, desperta em mim o que sempre abominei nas pessoas: a auto-piedade.
- Um deslize! – gritou ele, exaltado. – Sabe que aquela vagabunda não significa absolutamente nada. Miguel acentuou o adjetivo pejorativo vagabunda de modo a reforçar a idéia de que determinadas mulheres são descartáveis. – É incapaz de me perdoar? Sempre afirmou que todos merecem uma segunda chance para provar que podem superar as suas fraquezas.
- Em você, isso não é fraqueza, meu caro. – respondeu Heloísa, altiva, serena e peremptoriamente. - É falha de caráter. Não torne a situação ainda pior. Sempre lhe devotei amor incondicional, Miguel. Contrariei a todos para que ficássemos juntos. Não dei ouvidos às pessoas que gostavam de mim e queriam me alertar em relação a essa promiscuidade que parece emanar pelos poros de sua pele. Para estar ao seu lado, tive que aprender a ceder, conviver com as diferenças e a me anular como mulher, já que o seu machismo exijia e eu, perdidamente apaixonada, não tive forças para sustentar princípios que sempre me guiaram.
- Pare de pintar este quadro dramático, Heloísa! Deixe de lado esse orgulho infantil e olhe em meus olhos enquanto falo com você. - Pediu Miguel, trazendo-a junto a si, com suas mãos a descer delicadamente pelas costas dela, esforçando-se para encontrar em seus olhos algum indício de que o amor suplantaria a dor que lhe causara.

"PAUSA"

Descobri que tenho fascínio pelas engrenagens da confecção do texto de ficção. Não é fácil criar personagens, estruturá-los dentro de uma narrativa, que não precisa ter compromisso com a verossimilhança, mas que tem o dever de estar calcada na coerência. Construir a personalidade de personagens principais e secundários é uma tarefa árdua, desgastante, que exige conhecimento de mundo, aliado a uma fértil imaginação capaz de transitar sem pudores pelo mundo do “faz de conta”. É preciso conhecer o ser humano, observá-lo, situá-lo dentro de determinado contexto, para que seja fácil entendê-lo como sujeito de “N” possibilidades. Talvez eu esteja engatinhando nesta arte, mas sou aplicado, disciplinado e assaz entregue à leitura de mundo, que é o estofo necessário a qualquer escritor que queira valer-se da ficção para compor suas obras. Outra tarefa não menos complicada é entrelaçar as ações de modo a tecer uma teia de acontecimentos que movimente a história num ritmo adequado ao enredo que se quer criar.

O conto acima está inacabado, pois não cheguei à conclusão se o personagem Miguel, infiel por natureza, merece a dádiva do perdão. Ele traiu a noiva Heloisa pela enésima vez, mas apenas na última teve a sua “pulada de cerca” descoberta a contento. A infidelidade é um prato cheio para qualquer contista, romancista ou cronista, que pode divagar sobre os questionáveis limites da ética, respeito e lealdade, valores que permeiam ou deveriam permear as relações amorosas. Apesar de sua fraqueza pelo sexo oposto, Miguel não está mentindo ao afirmar que Heloísa é a mulher de sua vida. Contudo, torna-se irresponsável ao arriscar a felicidade por uma aventura de sexo casual que pode satisfazê-lo por algum tempo, mas que jamais preencherá a sua necessidade afetiva. Quando escrevi o diálogo que faz a introdução do texto, pensei no típico homem infiel, exímio conquistador de mulheres vulneráveis ao amor. Aquele que possui um vasto repertório de frases de efeito, capaz de persuadir a mais puritana das moças. É um cafajeste, indubitavelmente! A sociedade tolera a infidelidade masculina, alegando que é um processo bio-psiquico-sócio-cultural, inerente ao macho. As mulheres adulteras são rechaçadas, vilipendiadas e condenadas, pois é terminantemente proibido dar vazão às fantasias que povoam o seu imaginário.

Enquanto Miguel é um personagem que se mantem na defensiva, imaginei a personagem Heloisa como alguém que costumeiramente prefere partir ao ataque. Sabe utilizar as palavras e deixar o oponente inseguro em relação às próprias crenças. Em seus diálogos, inseri um leve toque de intolerância, mas litros de ressentimento, dor e decepção. Não há como dissimular o sofrimento proveniente da traição. O sangue corre nas veias da personagem, como labaredas de um vulcão prestes a entrar em erupção. Heloisa tem uma ferida aberta que só o tempo é capaz de cicatrizar, embora saibamos que a marca da dor pode permanecer eternamente e impedir que novos horizontes se descortinem diante de nossos olhos. Ela nunca fora capaz de imaginar a vida sem Miguel, um homem sem grandes atributos intelectuais, mas eficiente na realização plena dos desejos femininos.

Após este RAIO-X da relação dos dois personagens, resolvi que desfecho dar a esta história que já fora de amor, mas que transformou-se em genuíno ressentimento.


CONTINUA

Como se houvesse despertado de um transe letárgico, Heloísa o afastou de seu corpo com repugnância, e assim, Miguel fora testemunha da implacabilidade do gênio de uma mulher machucada. Quis dialogar, expor as razões que justificassem o ato impensado, convencê-la de que estava arrependido até a alma, mas toda e qualquer palavra utilizada para demover a moça da intenção de colocar um ponto final na relação, servia apenas para insuflar-lhe o ódio. O orgulho sempre fora o incorrigível pecado capital que sempre a transformava em soberana resoluta. Era incapaz de voltar atrás em suas decisões, pois lhe fora ensinado que a palavra empenhada não podia ser revogada sob a condição de colocar sob suspeita a honra de quem a empenhou. Se perdoasse a infidelidade do homem que lhe jurara ser fiel, colocaria em xeque todos os valores familiares incutidos desde tenra idade. Não era passional como a maioria das mulheres que tinham facilidade para relevar o deslize de seus homens. Exigia do parceiro a mesma retidão moral com que diligenciava a sua vida. Retirou a aliança do dedo anelar da mão esquerda e colocou-a sobre a mesinha de centro da sala de Miguel. Dirigiu-se à porta do apartamento e antes de abri-la, proferiu um discurso magistral que revelava as diferentes matizes do seu desprezo:

- É certo que ao chegar em casa, vou colocar a cabeça no travesseiro e chorar, desconsolada. Mas é provável que em menos de vinte quatro horas eu esteja recomposta. Não nasci para ser submissa a ponto de perdoar qualquer traição. Adeus! Espero que se convença de que é preciso sublimar o amor, para que não venha a cultivar a dor.


E BATEU A PORTA...
Em vão, tentou reconquistá-la! Meses após o fim do relacionamento, Miguel soube por um amigo que Heloísa estava de viagem marcada para o Canadá. Suicidou-se uma semana após a partida da moça.


Até breve!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

VINGANÇA: UM PRATO QUE SE COME FRIO, QUENTE, TEMPERADO, MAS SEM SALSINHA, POR FAVOR!


A VINGANÇA

O marido, com sangue nos olhos, desferiu-lhe uma bofetada que a fez mastigar os dentes. Em seguida puxou-lhe os cabelos, até que saíssem aos tufos. Deu-lhe tantos socos, pontapés e empurrões contra a parede, que se sentiu exausto. Maria Mercedes não derramou uma lágrima. Estirada ao chão, parecia conformada com a costumeira violência do homem pelo qual um dia havia se apaixonado.

DIAS DEPOIS...

A autópsia revelara que Eliseu fora envenenado com uma substância utilizada para matar ratos.


VINGAR
verbo transitivo
1. tirar vingança de; desforrar-se de; punir; desafrontar
2. promover a reparação de; reabilitar
3. chegar a; atingir
4. defender; libertar; salvar
5. vencer; conseguir
6. subir
verbo intransitivo
1. conseguir o seu fim; ter bom êxito; vencer
2. galgar
3. chegar à maturidade
4. não morrer
verbo pronominal
desforrar-se
(Do lat. vindicáre, «id.»)





VINGANÇA: UM PRATO QUE SE COME FRIO, QUENTE, TEMPERADO, MAS SEM SALSINHA, POR FAVOR!

(Vinicius Gustavo P. Guimarães)


Para compor o tópico frasal desta postagem, busquei inspiração no célebre escritor “Alexandre Dumas”, que soube como ninguém criar um romance instigante, envolvente e atemporal, intitulado O CONDE DE MONTE CRISTO. Indiscutivelmente, uma pomposa obra literária de clamor à vingança. Tenho fascínio pelos justiceiros da literatura. Depois de passarem por toda a ordem de adversidades, vilipendiados pelos cruéis vilões, que os humilham, maltratam e os reduzem a pó, vão à forra, sedentos pelo desejo de reparação. É hora do acerto de contas. Abandonam a pusilanimidade, o altruísmo exacerbado e a apatia, passando ao irrefreável instinto de revidar. Antes de tornar-se Monte Cristo, Edmond Dantes é traído por aqueles a quem tinha como amigos. Vai para a cadeia, condenado à prisão perpétua por um crime que nunca cometera. Revolta-se com a vida, procurando respostas que possam explicar as sucessivas tragédias que se abatem sobre ele. Em pouco tempo, descobre que fora vítima de um plano diabolicamente orquestrado pelos próprios amigos para destruí-lo. É o clássico da Literatura Universal que recomendo àqueles que são navegantes de primeira viagem nos mares da leitura.

Recorri a Monte Cristo para ilustrar este texto. É evidente que no desfecho da história o personagem sentiu-se frustrado, pois o ódio que o movia na luta por justiça, acabou por enclausurá-lo dentro da própria solidão. Deixando os caminhos sinuosos da ficção e transpondo o eixo da questão à realidade, indago: a vingança pode realmente exorcizar a frustração causada pelas (in) justiças?

É preciso refletir sobre essa problemática. Vamos partir do princípio de que a “vendeta” origina-se do orgulho ferido. Diariamente, lemos nos jornais notícias que relatam crimes passionais hediondos, cometidos por criaturas aparentemente normais. A rejeição é a mola propulsora da vingança, visto que o amor suscita nas pessoas o que de melhor e pior elas têm a oferecer. O fim de um relacionamento amoroso, por exemplo, pode despertar a ira daqueles que não tem estrutura emocional para entender que o ser humano pode usufruir do seu direito de amar, embora consciente de que não há lei que obrigue o objeto desse amor a devotar o mesmo sentimento. E a indignação se manifesta em atos irrefletidos: para lavarmos a alma, precisamos infligir um castigo que desperte no outro a mesma dor. Li recentemente “Senhora” do José de Alencar (leitura obrigatória do curso de Letras da USC – Literatura Brasileira). A personagem “Aurélia” encaixa-se perfeitamente no arquétipo da “vítima” que pensa ter o direito de exigir justiça pelo mal causado por aquele a quem entregara seu coração. “Fernando” a abandonou para casar-se com outra, pois almejava dinheiro, poder e prestígio social. Quis o destino que a doce, pobre e virginal “Aurélia” repentinamente herdasse uma grande fortuna do avô que lhe era desconhecido. O desejo de vingança operou na personagem drástica mudança de personalidade. O dinheiro conferiu-lhe rancor, arrogância e sangue-frio. Não foram poucas as humilhações impostas ao homem que veio a tornar-se seu marido. Mas a dor causada àquele que jurava odiar, desdobrava-se nela com maior intensidade, pois “Fernando” suportara a todos os suplícios com tamanha resignação, que acabara por redimir-se.

Queria ser imparcial ao redigir o texto e não imprimir a essas linhas as minhas experiências. É impossível, tendo em vista que para dissertar sobre a vingança, como faceta do amor, não recorro a “Sigmund Freud”, e sim à literatura. E falo com conhecimento de causa, pois atire a primeira pedra quem nunca colocou a capa da justiça e tentou em vão causar em outrem o mesmo mal do qual fora vítima. “Dar o troco” propicia satisfação pessoal, mas é uma sensação fugaz, que tira o brilhantismo da capacidade de reação que todos nós temos. Dê aos que não gostam de você a INDIFERENÇA. Não há recurso mais elegante. Canalize o ódio causado pelas intempéries da vida para a vontade de aprender, conhecer, vislumbrar novos horizontes.

Até breve!





quinta-feira, 3 de junho de 2010

Escritores da Liberdade - Análise

** Escrevi esta análise após assistir ao filme "Escritores da Liberdade". O texto foi encaminhado ao fórum de discussão da disciplina de "Metodologia do ensino de Língua Portuguesa", ministrada pela professora Marilete.

Sou avesso a filmes com esta temática. Ora minimizam os problemas encontrados pelo professor em sala de aula, ora utilizam clichês manjados que os remetem a um campo de batalha. Mas, desta vez, dou o braço a torcer: "Escritores da liberdade" conseguiu a proeza de me cativar o espírito, a ponto de eu me debulhar em lágrimas em vários trechos da história. Ainda bem que as luzes da sala de vídeo estavam apagadas.


É preciso praticar o exercício da empatia e colocar-se no lugar da professora "Erin". Ao analisar a sua trajetória no decorrer do filme, lembrei de uma frase célebre do cantor e compositor “Raul Seixas” que diz: “Sonho que se sonha só é apenas um sonho; um sonho que se sonha junto é realidade". Os pesadelos de "Erin" surgiram à medida que precisou resistir à rejeição dos alunos, sentiu a descrença do corpo docente em relação ao seu trabalho e enfrentou o fim de seu malfadado casamento. Em princípio, ninguém quis viver o sonho. Tornou-se conveniente criticá-la, desencorajá-la ou acusá-la de contraventora. Não sei dizer se serei um mártir, disposto a sacrificar a minha vida pessoal, bater de frente com meus superiores ou me expor à violência nos guetos dos grandes centros urbanos. Contudo, dentro de minhas possibilidades, farei o que estiver ao meu alcance para desempenhar satisfatoriamente o meu papel de educador. Consciente da importância social que isso implica. Por mais piegas que seja a frase, sim: "ensinar é um ato de amor". Amor ao próximo, amor à educação e a si próprio. Professor, na verdadeira acepção da palavra, não se deixa desmotivar pelo valor impresso em seu holerite. Lida com as agruras do dia-a-dia com galhardia, utilizando de maneira criativa os poucos recursos didáticos que tem em mãos. Se optou pela educação deveria supor que não há como enriquecer através dela.


Desde tenra idade quero lecionar Língua Portuguesa. Começar o curso de Letras na USC foi o primeiro passo na realização deste sonho. Não sou ingênuo a ponto de acreditar que a minha prática pedagógica será pautada apenas pelo êxito. Encontrarei os mesmos obstáculos que a personagem do filme. O principal deles talvez seja o desinteresse dos alunos, o que tolhe a motivação de qualquer professor, por melhor que seja o profissional.


São vários os aspectos interessantes do filme. Vamos a eles!


É preciso partir do pressuposto de que a violência retratada está distante da realidade brasileira. Embora, permanecer indiferente à responsabilidade de ensinar seja tão cruel quanto apontar uma arma. Covardia da brava!


Se os professores soubessem da importância da Literatura no processo de aprendizagem de seus alunos, atingiriam com maior rapidez os objetivos das disciplinas ministradas. "Erin" inseriu os livros no cotidiano de sua turma de maneira perspicaz. Partiu da realidade, incitando-os a ler uma obra situada dentro do contexto da violência e logo após passou aos clássicos da literatura universal. Cultivou-se o hábito da leitura e seu refinamento. Teorias do DCN apresentadas na aula de "Metodologia da Língua Portuguesa" defendem essa idéia.


Usou como pano de fundo a história de vida dos educandos para despertar-lhes o gosto pela escrita. Os cadernos que narram as agruras da vida de cada um é o exemplo de que escrever é uma válvula de escape, capaz de transformar a tristeza em momentos de reflexão. Assim que ingressei no curso de Letras criei um BLOG e o utilizo para discutir questões literárias, escrever contos, crônicas, sátiras bem humoradas e falar “abobrinhas” (www.mundodasletras-vinigupi.blogspost.com). Em sala de aula, pretendo utilizar esta ferramenta com meus alunos. Extrair deles a capacidade criadora manifestada através da palavra escrita.


Não quero ser um blefe. Tento me esmerar em minha formação para desempenhar de maneira honesta a missão que me será incumbida. Mas reconheço que a bagagem teórica da universidade não me dá todos os subsídios para ser um bom professor. Penso que a sensibilidade é um dos requisitos indispensáveis ao magistério. Isso tenho! Embora precise saber quais serão os meus limites na relação diária com meus alunos. A minha principal virtude é a paciência. É um bom começo!


O filme me conquistou!


A minha vida mudou assim que me apaixonei por Literatura.


Quero agradecer aos meus amigos do curso de Letras por caminharem ao meu lado nesta jornada e, em especial, à professora Marilete que não se manteve em seu pedestal como muitos docentes e tornou-se acessível a todos os alunos. Os comentários que fez em meus seminários apenas enalteceram a apresentação.


Obrigado!


"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda." (Paulo Freire)

quarta-feira, 12 de maio de 2010

TRISTE ADEUS DE UMA ALMA IMPURA




**CONTO ESCRITO PARA A AULA DE LITERATURA BRASILEIRA


TRISTE ADEUS DE UMA ALMA IMPURA


Vinícius Gustavo Pinheiro Guimarães


A morte me estende a mão, e a oferta que faz é como um bálsamo a quem sempre celebrara o amor em sua forma mais sublime. O convite é tentador. Não há ninguém à beira de meu leito, rogando a Deus pela minha permanência neste plano, apenas o silêncio ensurdecedor capaz de estourar os meus tímpanos com tamanha quietude. A febre insiste em roubar os poucos sentidos que ainda me sobram. Dores lancinantes percorrem o meu corpo e parecem anunciar o desenlace. Se penso no futuro, vislumbro apenas a podridão de um corpo sendo devorado por larvas ávidas de carne humana.

Cego, não sei o que se passa à minha volta, mas vejo com nitidez o mar de dor que me afoga em solidão. O vento me aterroriza, balançando a janela com seus uivos, tal qual um lobo que se faz anunciar. Pela fresta da porta, posso senti-lo a enregelar- me os músculos da face. Os pesadelos parecem repetidos, já que neles sempre estou rodeado de seres espectrais, vermelhos-fosco, cheirando a enxofre, felizes por eu haver sucumbido às armadilhas do destino. Destino? não há
algoz tão cruel como tu. A esperança tornou-se palavra vazia de significado, e é com tristeza que me recordo que um dia moveu-me a ponto de me fazer acreditar que poderia gozar de uma tal chamada felicidade. O câncer corrói os meus ossos, maltrata-me como se fosse o mais vil dos homens e a piedade divina parece vir a passos lentos. Os amigos que angariei ao longo dos anos, esvairam-se com o dinheiro que perdi. As propriedades hipotecadas serão leiloadas para saldar as dívidas de uma vida de luxo, diversão, caprichos. A miséria revela-se no tecido roto de meu paletó. Sobrou-me apenas a consciência da efemeridade das veleidades humanas, refletidas nas festas, saraus, boutiques, que impiedosamente contrastam com a umidade das paredes sujas deste quarto que me serve de morada.

Ouço vozes que me acusam de crimes que não cometi, embora não tenha escapado impune, visto as tragédias que se abateram sobre mim. Deitado nesta cama, tenho a ligeira impressão de que o tempo parou para me ver desencarnar, como se isso fora um espetáculo encenado por um morto-vivo, cujos gritos são emitidos por uma alma aprisionada em frio invólucro. Angustia que consome a energia que ainda me resta. Sinto o amargor da saliva, o fel de um paladar que não reconhece nada além do azedo. Não vivo, pois se viver consiste em dar-se conta da realidade, posso dizer que vegeto ao lado de meus fantasmas.

Preciso fazer uma confissão, antes que a chama da vida se apague: amei! Apercebi-me de minha condição de mortal, ao sentir no peito aquilo ao que os poetas definem como AMOR. As paixões pueris da mocidade não me tornaram volúvel o suficiente para que não reconhecesse os legítimos sintomas de uma alma enamorada. Elida, Helena e Beatriz. Se pudesse dividir o meu coração em três partes, era a vocês que as daria. As lembranças de tempos gloriosos agora me assaltam, com a intenção de aumentar o meu martírio. Sinto que poderia ter morrido de amor, pois a cada uma de minhas ninfas benfazejas, devotei o mais puro dos sentimentos.

Elida sempre fora a mais bela dentre as moças da capital. Era um mancebo tolo, inconseqüente, angustiado. Encontrei em seus braços a compreensão pela qual sempre procurava. Seríamos representações fiéis de “Romeu e Julieta”, pois o romantismo que nos envolvia poderia resistir a todo e qualquer obstáculo material. Não pode resistir à morte. A flor mais bonita de meu jardim morrera antes de completar dezesseis anos, vítima de uma leucemia. A morte ceifou-lhe a vida. O seu cadáver sendo velado ainda me dá a sensação de que a felicidade procura pelos escolhidos. Pensei em fazer-lhe companhia, mas descobri em pouco tempo que a eternidade é a indagação da qual ainda não posso obter resposta. Eu a enterrei com o meu amor. Essa fora a condição para que eu continuasse a viver. Rosto pálido, lábios, roxos, pele fria. Assim a beijei pela última vez antes de tampar o caixão e ver a minha aurora despedir-se deste mundo de expiações. Talvez um dia a encontre, em outro corpo, outra vida, outra sorte.

Helena é a personificação da beleza. Os olhos de um azul cristalino me hipnotizavam. Filha de um marechal, foi cobiçada pelos jovens mais prósperos das redondezas, mas foi a mim a quem entregou o seu coração. No auge dos meus 40 anos, enamorei-me desta sílfide de dezessete anos e com ela recuperei a serenidade perdida. Entrou em meu caminho para fazer-me entrar no eixos. A união causou desgosto ao pai que a renegou. O sentimento que nos unira bastou para que enfrentássemos com valentia a indiferença dos amigos, tão despeitados com a alegria alheia. Chamaram-me “papa anjo”, mas bem sei o quanto a minha Helena era sensata, madura, amiga. Quis o criador que tivéssemos o primeiro filho, mas talvez mudasse de idéia, pois no dia do parto, levou-me a mulher e a filha ainda anjinho. Caí em depressão profunda. Refugiei-me no álcool, luxúria e desamor. Deus roubou-me todos os motivos para continuar a acreditar no milagre da vida.

Ainda com o coração calejado de amor, encontrei em Beatriz um porto. Viúva de um fazendeiro, conquistou-me pelo jeito franco, incisivo e assaz carinhoso, quase um paradoxo num corpo de mulher. Tirou-me do vício, devolveu-me a alegria, o amor-próprio e equilíbrio. Agradecia-me diariamente por devolver-lhe o colorido da existência, mas era minha a gratidão por haver me restituído o doce gosto de amar.

O frio aumentou. O vento ainda empurra com força a janela. Sem poder enxergar, percebo um clarão de uma luz ao longe, mas seria incapaz de dizer o que é. Sinto que começo a ficar sem ar. Golfadas de sangue, fazem a dor física tornar-se real. Onde está você, Beatriz? Por que não consigo chamar sua face aos meus pensamentos? O seu rosto parece uma incógnita. Não quero me despedir deste mundo sem antes invocar a sua lembrança. Abandonou-me? Nem Dante a procuraria com mais sofreguidão que eu. Incapaz de suportar o segundo luto, a viuvinha mais geniosa que conheci, deixou-me por ver-me já incapacitado pela doença. As más línguas dizem que fugira com um marinheiro. Recuso-me a acreditar. Quero conservá-la digna em meu coração. Sei que trilhei o caminho do amor com pés claudicantes, mas é tolo o homem que pensa poder escapar incólume a um encontro de almas.

Sei que de hoje não passo. Quero encontrar com o Criador, mas se tal honra não me for concedida, que o diabo tenha pena de mim. Amei... talvez isso me redima de uma parte dos pecados que levo comigo. Beatriz não virá.

domingo, 20 de setembro de 2009

UMA PERFEITA SINTONIA

UMA PERFEITA SINTONIA
escrito por Vinícius Gustavo Pinheiro Guimarães


I


Fiz a escolha certa? – indagava-se, Elisa. Parecia distante, absorta em pensamentos que lhe cingiam o semblante de uma sombria expressão de desalento. Experimentava o vestido de noiva, com a costureira ao pé de si a dar ainda em seu corpo os últimos retoques. Um modelo exclusivo feito pelo mais badalado estilista de São Paulo. O espelho lhe dizia sorrindo que estava deslumbrante, mas sentia-se indiferente à própria beleza, como se aquela mulher refletida estivesse vivendo uma vida que não lhe pertencesse. A efusão da mãe despertou-a de seus devaneios. – Oh, minha filha! – gracejou Madalena, boquiaberta. – O vestido lhe caiu perfeitamente bem. Não que fosse dada a luxos, mas o noivo fizera questão de que tudo saísse conforme ela sempre sonhara.

A escolha do vestido de noiva, igreja, carruagem, padrinhos, convidados, buffet, foram meticulosamente organizados pela mãe e a sogra, cúmplices na emoção de verem o enlace dos filhos como uma inevitável promessa de felicidade. A primeira, por estar casando o seu “bibelot” com um dos jovens mais ricos da cidade, cortejado por todas as mulheres da high-society e futuro herdeiro das organizações Atlanta, a maior empresa do ramo imobiliário da região. A outra, por enxergar em Elisa a esposa ideal para por fim aos hábitos desregrados de Lucas, há pouco tempo, amante da boemia, ociosidade e promiscuidade masculina. A moça tinha predicados que a tornavam a ‘menina dos olhos” de toda sogra que deseja ao filho um casamento sem sobressaltos. Tereza via em sua futura nora uma altivez pouco comum em mulheres tão jovens. Não era submissa como as que amam exageradamente e sabia fazer valer as suas vontades, sem ferir o orgulho alheio e sem perder, através de sua imperceptível intransigência, toda a doçura que lhe pontuava a personalidade. De uma beleza ímpar, seria a esposa perfeita para um rapaz que precisava de uma mulher de pulso firme, embora carinhosa, compreensiva e amiga.

- Tereza, querida, o seu filho é um homem de muita sorte. – comentou Madalena, exultante, olhos vidrados em Elisa que agora experimentava os sapatos. – Duvido que encontre alguém como a minha menina. Uma moça distinta, educada e inteligente. O porte elegante é da avó. Os olhos de um castanho esverdeado puxou do pai. Ele tinha um olhar tão penetrante.

- Mãe, pelo amor de Deus! – interrompeu Elisa, enrubescida. – Não sou a soberana do principado de Mônaco que a senhora está pintando e pare de enumerar atributos que não tenho. O que vai pensar dona Tereza desse seu falatório?

- Não se preocupe, meu bem – advertiu Tereza, achando graça no carinho desmedido de Madalena pela filha. - Sua mãe não está exagerando. Você, realmente, é mais do que eu poderia sonhar para o meu Lucas. Mas ela há de concordar comigo que o meu filho também é um bom partido.

- Sim, esse casamento é do meu agrado. Já tenho o Lu como da família. Um cavalheiro, um rapaz garboso, cheio de vida. É uma pena que...

- Mãe! – ralhou Elisa, perdendo a paciência!

- Só ia dizer que ele não tem tino para os negócios do pai – retorquiu Madalena, contrariada.

- Isso não é da sua conta – atalhou Elisa, irritada. – O Lucas não deseja seguir os passos do pai e não quero que a senhora seja inconveniente manifestando publicamente as suas opiniões sobre assuntos que não lhe dizem respeito. – Perdão, Tereza. Ela, às vezes, fala sem atinar no que está falando.

- Madalena está certa. – concordou Tereza. - O Rômulo insiste para que o menino tome o seu lugar na companhia, mas ele se esquiva da responsabilidade de estar à frente dos negócios da família. – Nisso, conto com a sua ajuda, minha nora. Espero que depois de casados, consiga convencê-lo a pensar sobre a possibilidade de suceder o pai.

- Não sei, Tereza. Ele não me parece animado com a idéia. E para ser sincera, não acho que o Rômulo deveria insistir.

- Elisa, minha flor de Liz! Levante-se! Deixe-me vê-la – ordenou Madalena com os olhos marejados e sem se importar com a admoestação da filha, perita na arte de chamar-lhe a atenção para suas gafes nos círculos sociais. - Será a noiva mais esplendorosa que já existiu nesse mundo.

Olhou-se ao espelho mais uma vez. Às vésperas do casamento de seus sonhos, uma sensação desagradável a assaltara: não seria feliz. Esses pensamentos bailavam em sua cabeça, questionando a resolução deste passo, que seria um dos mais importantes de sua vida. A coroação de uma relação permeada de idas e vindas, ciúme, brigas e traições. Lucas a amava e dera inúmeras provas de seu incomensurável amor. Mas ela não estava segura de seus próprios sentimentos. Como poderia se casar com um homem que não a completava como mulher, que não mais a fazia sentir o friozinho na barriga todas as vezes em que a elogiava e se sentia obrigada a dizer que estava indisposta, rejeitando todos os convites dele de viagem ao litoral nos finais de semana? Ele não lhe dava mais o tesão dos primeiros encontros. E sentiu-se uma vagabunda ao constatar a última de suas insatisfações.

A empregada entrou esbaforida no quarto de Elisa, abrindo mão das convenções, gritando:

- Dona Elisa! Seu Lucas acabou de chegar!

- Rápido, Tereza! – interveio Madalena. – Ele não pode vê-la vestida assim. Dá azar. Vamos descer e mantê-lo ocupado, até que Elisa tire o vestido e os outros apetrechos. Oh, meu Deus, onde está a grinalda?

- Dentro da caixa menor, em cima da cama – respondeu Tereza, ao dar a ultima olhada na noiva majestosa que tinha diante dos olhos. – É uma linda mulher e sei que será uma boa esposa e uma mãe dedicada. O meu filho precisa de você.

Em seguida saiu, puxando Madalena e a velha costureira pelo braço.

- Não demore, filha. O seu noivo é tão afoito, que não vai querer esperar até o casamento para vê-la vestida de noiva.

- Desço num minuto, mãe. – respondeu Elisa, ansiosa para tirar a roupa que lhe pesava na alma. De repente, desejou que o chão se abrisse e pudesse desaparecer para todo o sempre. Como foi tola ao aceitar o pedido de casamento de Lucas. A última das infantilidades do rapaz, que nem de longe, sabia quais eram as implicações de uma vida a dois. Não tinham muitas coisas em comum. Conheceram-se na faculdade onde cursavam jornalismo. Uma paixão fulminante que dominara todo o seu ser. Oficializaram a relação e em pouco tempo tornaram-se noivos. Ele trancou o curso e quase a convenceu a fazer o mesmo, pois alegava que não precisaria trabalhar, sendo mulher de um homem rico. Ela, ofendida, dizia: “Posso até me tornar esposa de um parasita, mas igual a um marido assim, nunca serei!”. O rapaz achava graça. Pela primeira vez, conhecera uma moça independente, batalhadora, determinada, tão diferente de suas últimas experiências amorosas com mulheres que viam nele a possibilidade de entrarem num mundo de requinte, dinheiro e poder. O noivo tinha os seus encantos. Elisa adorava o seu sorriso luminoso, o porte atlético, a pele alva e delicada. Os cabelos negros, a voz aveludada, o jeito especial como a olhava. Mas o amor esmorece e com ele toda a empolgação dos planos de uma vida inteira juntos, e isso, dias antes do fatídico “sim” no altar, em frente à família, amigos e demais convidados. Após jurar a Deus que o amaria até que a morte os separasse.

O celular tocou. Abriu a bolsa sobre a cômoda e ao verificar no visor do aparelho quem lhe queria falar, assustou-se.

- Eu já lhe disse mais de mil vezes para não me ligar – falou nervosa ao telefone, tentando abafar a voz.

A pessoa do outro lado da linha foi categórica:

- Você não pode se casar, Elisa! Você não o ama! E sei que está grávida de um filho meu.




**CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um dia, um adeus...


Tanto se fala na brevidade da vida, que tenho medo de não realizar em tempo todos os meus sonhos. Isso se torna um irresistível pressuposto para, às vezes, jogar tudo para o alto e seguir apenas a voz do coração. Sempre ouço dos mais velhos: “Aproveite a vida!”. E os que me aconselham a tal ato de coragem, parecem afundados em frustração, desgostosos com o fim da jornada, quase sempre pontuada pelas escolhas erradas. O tempo é cruel e o verso daquela bonita canção não me sai da cabeça: “A gente não nasce, começa a morrer...”.

A minha condição de humano me dá o direito de errar. Eu menti, traí, fui traído, senti inveja, amei e (odiei), desejei o mal, desejei o bem, fui aplaudido, vaiado, humilhado, perdoei, implorei o perdão, ri, chorei. E depois de experimentar essa miscelânea de ações e reações, percebi que delas tirei algum proveito, pois triste é envelhecer e não ter direito ao seu quinhão de sabedoria.

O meu pai faleceu em 2004. Os meus olhos ardem sempre que me lembro do caixão sendo fechado.


... assim é a vida.


sábado, 12 de setembro de 2009

TWITTER



Há tempos não escrevia uma crônica. Apesar de gostar desta modalidade textual, tenho me dedicado à ficção, que me “rouba” toda a disposição mental, criatividade e vigor físico. As manhãs de sábado costumam ser tão aprazíveis, que preferi não me debruçar sobre um novo conto, mas redigir um texto leve, antenado à realidade que me rodeia e, evidentemente, de mãos dadas com o bom humor.

Eu me cadastrei no “Twitter”, a nova sensação da internet. É uma ferramenta assaz interessante que dinamiza a relação interpessoal na rede mundial de computadores. Descobri entre os membros, o prefeito do município de Bauru, Rodrigo Agostinho (http://twitter.com/rodrigoprefeito) e verifiquei o quão atribulada é a sua agenda. Lá, ele nos conta em tempo real o que está fazendo. Frases como: “fui viajar e esqueci o sapato”, “a insônia voltou a me atacar” e “estou na rodoviária esperando o busão para ir para São Paulo”, revelam a rotina de um balzaquiano que, apesar de ocupar o cargo hierárquico mais importante da administração pública da cidade, não se esquiva ao direito de viver como um “homem” (aspas sugestivas) normal. As postagens do “Twitter” dão conta dos compromissos de um jovem prefeito sempre requisitado em eventos culturais. Conheço a sua trajetória política e percebo o quanto tem se empenhado em honrar os compromissos firmados com o povo bauruense. A gestão Agostinho concedeu um abono salarial razoável aos servidores municipais. Convenhamos, irrisório ao que merecemos, ainda assim, maior que o oferecido pelo candidato do PSDB, caso eleito fosse.

Muitas são as especulações ao seu respeito. Como toda figura pública, tem a vida pessoal esquadrinhada. Ele lava o cabelo? Gosta de homem? Veste-se mal? I don’t know it! No “Twitter”, por exemplo, afirma que adora uma baladinha. E quem não gosta? É POP, o meu chefe... É a MADONNA de nosso microcosmo. “Like a virgin, touched for the very first time...”

Comprei O ALQUIMISTA do Paulo Coelho. Um site listou todos os equívocos de coesão da mais aclamada obra esóterica do escritor, que é considerado pela crítica especializada, um assassino em potencial da Língua Portuguesa. O artigo, fundamentado, revela as incongruências gramaticais do MAGO brasileiro. Paulo não admite que seus livros sejam revisados e se defende das acusações de que não domina simples conceitos gramaticais, alegando que a sua intenção é aproximar a linguagem literária ao modo de falar das pessoas. Se isso vier a tornar-se um modismo, como será a vida do profissional de Letras que, como eu, quer trabalhar como revisor em grandes editoras? Não tenho interesse no enredo do ALQUIMISTA, mas faço questão de localizar os seus “tropeços lingüísticos”. Embora saiba que todos estamos sujeitos a deslizes neste idioma que ainda é um enigma aos que sempre o trataram com desdém.

Recomendo que adquiram o livro de crônicas “A arte de reviver” do consagrado autor de novelas, Manoel Carlos. Todos os textos versam sobre a invisível beleza do cotidiano.


See you!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

RAIO-X




HELLO, FRIENDS!


UM RÁPIDO RAIO-X


Quero agradecer à receptividade de todos os amigos que me prestigiaram nas últimas semanas, acompanhando a produção do conto “Confissão è beira do lago”. Descobri que o meu amor pela Literatura excede a leitura dos clássicos ditos “antigos” ou contemporâneos, perpassando os caminhos sinuosos da escrita.

Criar um universo paralelo à realidade é um exercício terapêutico, divertido, prazeroso, embora desgastante do ponto de vista emocional. Vide a atuação de “Bernardo”, que me consumiu deveras todo o vigor mental. Quis dar profundidade verossímil a sua personalidade, o que me obrigou a conjecturar sobre o seu malfadado namoro, a bissexualidade reprimida e os valores religiosos revelados no decorrer da narrativa. A posição de Kaike me pareceu mais confortável e o idealizei como um sujeito “boa praça”, honesto, bom caráter e disposto a perdoar.

Não é fácil capturar a atenção do leitor e manter o seu interesse pela história. Em várias passagens inseri estratagemas textuais como o SUSPENSE. O narrador teve postura neutra, mas eficiente ao relatar o que via. Perscrutou os pensamentos dos personagens e nos revelou segredos considerados inconfessáveis. Postei as páginas conforme as redigia e tornei o desenrolar da trama aberto às discussões dos amigos que se envolveram com o dilema dos protagonistas. O lago e a quietude de suas águas deram-me a privacidade necessária para a fundamentação do amor incontido de “Bernardo”.

Consegui a intertextualidade com o meu livro de cabeceira: O CAÇADOR DE PIPAS.

As idéias estão fervilhando em minha cabeça. Outro conto logo estará em fase de produção. Tenho fascínio pelos dilemas humanos.


I want to write forever....


Muito obrigado!



Vinícius Guimarães


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Confissão à beira do lago


** Quero agradecer aos amigos que prestigiam o blog e às palavras de incentivo que têm me deixado. Se me proponho a escrever sobre o amor, procuro enaltecê-lo em sua universalidade.

Confissão à beira do lago

Pág. 3 e 4



Sempre soubera não ser igual aos outros rapazes de sua idade. Admirava corpos masculinos e femininos com a mesma cobiça, o mesmo ardor que lhe subia pelas pernas e enrijecia o membro, a denunciar a excitação que tentava, em vão, disfarçar. Sufocava os próprios desejos ferrenhamente, pois sabia que o mundo poderia encarar a sua bissexualidade como uma anomalia. Senão o mundo, os seus pais, irmãos e amigos o veriam como pervertido, alguém com disfunções cerebrais ou um enfermo que precisava de tratamento. Não era doente, mas nascera conforme os desígnios de Deus, que para ele tinha uma missão. Era temente ao Senhor e pedia a sua ajuda nos momentos de incerteza. A religião era o seu refúgio, mas não fora capaz de amansar o seu coração e diminuir-lhe a ansiedade que sentia todas as vezes em que Kaike o abraçara , ou a libido nas alturas ao vislumbrar aquele corpo de porte atlético coberto pela toalha de banho, delineando as suas nádegas proeminentes.

Bernardo sempre fora o mais sensível. Tinha fascínio por literatura, música clássica e arte. O outro era íntimo da área de exatas, esportes radicais e dos embalos de sábado à noite. O sentimento que o ligava a Kaike também era fruto das pequenas diferenças existentes entre os dois. Eles se complementavam em suas necessidades, fraquezas e potencialidades. O amigo insistira para que namorasse Mari, pois dizia que a vida só teria sentido àqueles cujo coração fosse tomado de amor. Acreditava piamente que haviam sido talhados para ficarem juntos, pois os via como almas gêmeas, tantas eram as semelhanças entre o casal. Bernardo parecia resistir, mas como via a relação com Mariana como resposta aos que levantavam dúvidas sobre a sua virilidade, pediu a moça em namoro.

Conseguira sustentar a relação aos trancos e barrancos, assumindo o papel de algoz da namorada, incitando-a em várias ocasiões a colocar um ponto final no malfadado relacionamento. Ele a fizera sofrer. A moça sempre se debulhava em lágrimas, submissa, colocando de lado o seu amor próprio, anulando-se para que pudesse agradar ao namorado, que sempre se mostrava distante, frio e implicante.

A dor pungente sempre invocada em seus poemas favoritos arrebentava-lhe o coração. Revelar a verdade a Kaike seria um caminho sem volta. Sabia todas as implicações deste ato de coragem. O rapaz sempre deixara claro a sua orientação sexual, embora manifestasse respeito, compreensão e tolerância às ditas “causas homossexuais”. Era um conquistador por natureza. Desde a adolescência, atraíra os olhares femininos, incapazes de resistir ao seu charme, carisma e sedução. De uma beleza máscula irresistível, sempre estava acompanhado de lindas garotas, com as quais jogara abertamente: “não quero me envolver”, dizia ao final do primeiro encontro. Bernardo sabia que este medo de se entregar a uma nova relação era causado pela paciente espera do primeiro e, até o momento, único amor de Kaike: Raila. Quantas vezes Bernardo amaldiçoou esse nome, desejando que ela fosse engolida pelas entranhas da Terra e desaparecesse de suas vidas para todo o sempre. A única mulher capaz de enfeitiçar Kaike a ponto de fazê-lo colocar a forte amizade que os unia em segundo lugar. Todas as vezes que reclamara do excesso de atenção que o amigo dava à Raila, ouvira que os dois eram importantes, mas que ocupavam lugares distintos em seu coração. E foi assim durante todo o tempo em que o romance perdurou. Bernardo, no auge do ciúme, semeou pequenas intrigas para minar a felicidade daquela relação, mas o rancor apenas serviu para transformá-lo em alguém de sentimentos torpes.

Raila mudou-se com os pais para o Canadá. Ao despedir-se de Kaike, resolvera terminar a relação, pois sabia que o amor precisaria ser alimentado diariamente para manter-se vivo, assim como as rosas precisam ser regadas duas vezes ao dia para permanecerem belas, rijas e com o seu inconfundível perfume inebriante. Não queria pedir a Kaike que a esperasse, pois desconfiara de que ela própria seria incapaz de semelhante sacrifício. Era realista, por isso queria partir sem deixar vínculos, histórias mal resolvidas e a possibilidade de sofrer por enganar ou ser enganada pela ausência, tempo e distância que a manteriam longe do namorado por quem sempre fora completamente apaixonada.


** CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM.