terça-feira, 6 de julho de 2010

REFLEXÕES SOBRE A INFIDELIDADE: UM OLHAR LITERÁRIO


REFLEXÕES SOBRE A INFIDELIDADE: UM OLHAR LITERÁRIO

(Vinícius Guimarães)

- É isso o que quer? – perguntou Miguel, tentando engolir o nó na garganta. Não queria chorar, pois aprendera com o pai que um homem que verte lágrimas em frente a uma mulher, sempre seria subjugado por esta.
- Não sei lhe dizer se é o que quero. – redargüiu Heloisa, em tom de desapontamento. – Mas é o que preciso fazer. Eu lhe asseguro de que não é a primeira vez que um homem me humilha, expõe ao ridículo ou fere o meu amor próprio. É estranho, pois a dor que sinto ao descobrir a sua traição, desperta em mim o que sempre abominei nas pessoas: a auto-piedade.
- Um deslize! – gritou ele, exaltado. – Sabe que aquela vagabunda não significa absolutamente nada. Miguel acentuou o adjetivo pejorativo vagabunda de modo a reforçar a idéia de que determinadas mulheres são descartáveis. – É incapaz de me perdoar? Sempre afirmou que todos merecem uma segunda chance para provar que podem superar as suas fraquezas.
- Em você, isso não é fraqueza, meu caro. – respondeu Heloísa, altiva, serena e peremptoriamente. - É falha de caráter. Não torne a situação ainda pior. Sempre lhe devotei amor incondicional, Miguel. Contrariei a todos para que ficássemos juntos. Não dei ouvidos às pessoas que gostavam de mim e queriam me alertar em relação a essa promiscuidade que parece emanar pelos poros de sua pele. Para estar ao seu lado, tive que aprender a ceder, conviver com as diferenças e a me anular como mulher, já que o seu machismo exijia e eu, perdidamente apaixonada, não tive forças para sustentar princípios que sempre me guiaram.
- Pare de pintar este quadro dramático, Heloísa! Deixe de lado esse orgulho infantil e olhe em meus olhos enquanto falo com você. - Pediu Miguel, trazendo-a junto a si, com suas mãos a descer delicadamente pelas costas dela, esforçando-se para encontrar em seus olhos algum indício de que o amor suplantaria a dor que lhe causara.

"PAUSA"

Descobri que tenho fascínio pelas engrenagens da confecção do texto de ficção. Não é fácil criar personagens, estruturá-los dentro de uma narrativa, que não precisa ter compromisso com a verossimilhança, mas que tem o dever de estar calcada na coerência. Construir a personalidade de personagens principais e secundários é uma tarefa árdua, desgastante, que exige conhecimento de mundo, aliado a uma fértil imaginação capaz de transitar sem pudores pelo mundo do “faz de conta”. É preciso conhecer o ser humano, observá-lo, situá-lo dentro de determinado contexto, para que seja fácil entendê-lo como sujeito de “N” possibilidades. Talvez eu esteja engatinhando nesta arte, mas sou aplicado, disciplinado e assaz entregue à leitura de mundo, que é o estofo necessário a qualquer escritor que queira valer-se da ficção para compor suas obras. Outra tarefa não menos complicada é entrelaçar as ações de modo a tecer uma teia de acontecimentos que movimente a história num ritmo adequado ao enredo que se quer criar.

O conto acima está inacabado, pois não cheguei à conclusão se o personagem Miguel, infiel por natureza, merece a dádiva do perdão. Ele traiu a noiva Heloisa pela enésima vez, mas apenas na última teve a sua “pulada de cerca” descoberta a contento. A infidelidade é um prato cheio para qualquer contista, romancista ou cronista, que pode divagar sobre os questionáveis limites da ética, respeito e lealdade, valores que permeiam ou deveriam permear as relações amorosas. Apesar de sua fraqueza pelo sexo oposto, Miguel não está mentindo ao afirmar que Heloísa é a mulher de sua vida. Contudo, torna-se irresponsável ao arriscar a felicidade por uma aventura de sexo casual que pode satisfazê-lo por algum tempo, mas que jamais preencherá a sua necessidade afetiva. Quando escrevi o diálogo que faz a introdução do texto, pensei no típico homem infiel, exímio conquistador de mulheres vulneráveis ao amor. Aquele que possui um vasto repertório de frases de efeito, capaz de persuadir a mais puritana das moças. É um cafajeste, indubitavelmente! A sociedade tolera a infidelidade masculina, alegando que é um processo bio-psiquico-sócio-cultural, inerente ao macho. As mulheres adulteras são rechaçadas, vilipendiadas e condenadas, pois é terminantemente proibido dar vazão às fantasias que povoam o seu imaginário.

Enquanto Miguel é um personagem que se mantem na defensiva, imaginei a personagem Heloisa como alguém que costumeiramente prefere partir ao ataque. Sabe utilizar as palavras e deixar o oponente inseguro em relação às próprias crenças. Em seus diálogos, inseri um leve toque de intolerância, mas litros de ressentimento, dor e decepção. Não há como dissimular o sofrimento proveniente da traição. O sangue corre nas veias da personagem, como labaredas de um vulcão prestes a entrar em erupção. Heloisa tem uma ferida aberta que só o tempo é capaz de cicatrizar, embora saibamos que a marca da dor pode permanecer eternamente e impedir que novos horizontes se descortinem diante de nossos olhos. Ela nunca fora capaz de imaginar a vida sem Miguel, um homem sem grandes atributos intelectuais, mas eficiente na realização plena dos desejos femininos.

Após este RAIO-X da relação dos dois personagens, resolvi que desfecho dar a esta história que já fora de amor, mas que transformou-se em genuíno ressentimento.


CONTINUA

Como se houvesse despertado de um transe letárgico, Heloísa o afastou de seu corpo com repugnância, e assim, Miguel fora testemunha da implacabilidade do gênio de uma mulher machucada. Quis dialogar, expor as razões que justificassem o ato impensado, convencê-la de que estava arrependido até a alma, mas toda e qualquer palavra utilizada para demover a moça da intenção de colocar um ponto final na relação, servia apenas para insuflar-lhe o ódio. O orgulho sempre fora o incorrigível pecado capital que sempre a transformava em soberana resoluta. Era incapaz de voltar atrás em suas decisões, pois lhe fora ensinado que a palavra empenhada não podia ser revogada sob a condição de colocar sob suspeita a honra de quem a empenhou. Se perdoasse a infidelidade do homem que lhe jurara ser fiel, colocaria em xeque todos os valores familiares incutidos desde tenra idade. Não era passional como a maioria das mulheres que tinham facilidade para relevar o deslize de seus homens. Exigia do parceiro a mesma retidão moral com que diligenciava a sua vida. Retirou a aliança do dedo anelar da mão esquerda e colocou-a sobre a mesinha de centro da sala de Miguel. Dirigiu-se à porta do apartamento e antes de abri-la, proferiu um discurso magistral que revelava as diferentes matizes do seu desprezo:

- É certo que ao chegar em casa, vou colocar a cabeça no travesseiro e chorar, desconsolada. Mas é provável que em menos de vinte quatro horas eu esteja recomposta. Não nasci para ser submissa a ponto de perdoar qualquer traição. Adeus! Espero que se convença de que é preciso sublimar o amor, para que não venha a cultivar a dor.


E BATEU A PORTA...
Em vão, tentou reconquistá-la! Meses após o fim do relacionamento, Miguel soube por um amigo que Heloísa estava de viagem marcada para o Canadá. Suicidou-se uma semana após a partida da moça.


Até breve!

3 comentários:

Daniela disse...

oie! gostei do post, mas achei o desfecho mto dramático com o suicídio de Miguel...
e por falar em desfecho, qdo vc pretende terminar o conto 'uma perfeita sintonia', heim? pensou q eu esqueci? ah, vini, mais um pouquinho vc termina, quero saber de quem é o filho q Elisa espera.
pense com carinho neste conto, tá?
bjs

Unknown disse...

puxa vida cara, ate parece q já me deparei com uma situação como esta...

mas então o final é muito forte, algo acontecera com o miguel que você não quis relatar né rsrsrsrs, pois como dito ja lhe era de costume cobiçar outras mulheres!!!

Pata-ganso: e a beer??? abraços

Unknown disse...

Vini, adorei!!! mas tenho uma duvida: eles estavam noivos? Ela tirou a aliança da mão esquerda, me fez pensar que eles eram casados...