domingo, 20 de setembro de 2009

UMA PERFEITA SINTONIA

UMA PERFEITA SINTONIA
escrito por Vinícius Gustavo Pinheiro Guimarães


I


Fiz a escolha certa? – indagava-se, Elisa. Parecia distante, absorta em pensamentos que lhe cingiam o semblante de uma sombria expressão de desalento. Experimentava o vestido de noiva, com a costureira ao pé de si a dar ainda em seu corpo os últimos retoques. Um modelo exclusivo feito pelo mais badalado estilista de São Paulo. O espelho lhe dizia sorrindo que estava deslumbrante, mas sentia-se indiferente à própria beleza, como se aquela mulher refletida estivesse vivendo uma vida que não lhe pertencesse. A efusão da mãe despertou-a de seus devaneios. – Oh, minha filha! – gracejou Madalena, boquiaberta. – O vestido lhe caiu perfeitamente bem. Não que fosse dada a luxos, mas o noivo fizera questão de que tudo saísse conforme ela sempre sonhara.

A escolha do vestido de noiva, igreja, carruagem, padrinhos, convidados, buffet, foram meticulosamente organizados pela mãe e a sogra, cúmplices na emoção de verem o enlace dos filhos como uma inevitável promessa de felicidade. A primeira, por estar casando o seu “bibelot” com um dos jovens mais ricos da cidade, cortejado por todas as mulheres da high-society e futuro herdeiro das organizações Atlanta, a maior empresa do ramo imobiliário da região. A outra, por enxergar em Elisa a esposa ideal para por fim aos hábitos desregrados de Lucas, há pouco tempo, amante da boemia, ociosidade e promiscuidade masculina. A moça tinha predicados que a tornavam a ‘menina dos olhos” de toda sogra que deseja ao filho um casamento sem sobressaltos. Tereza via em sua futura nora uma altivez pouco comum em mulheres tão jovens. Não era submissa como as que amam exageradamente e sabia fazer valer as suas vontades, sem ferir o orgulho alheio e sem perder, através de sua imperceptível intransigência, toda a doçura que lhe pontuava a personalidade. De uma beleza ímpar, seria a esposa perfeita para um rapaz que precisava de uma mulher de pulso firme, embora carinhosa, compreensiva e amiga.

- Tereza, querida, o seu filho é um homem de muita sorte. – comentou Madalena, exultante, olhos vidrados em Elisa que agora experimentava os sapatos. – Duvido que encontre alguém como a minha menina. Uma moça distinta, educada e inteligente. O porte elegante é da avó. Os olhos de um castanho esverdeado puxou do pai. Ele tinha um olhar tão penetrante.

- Mãe, pelo amor de Deus! – interrompeu Elisa, enrubescida. – Não sou a soberana do principado de Mônaco que a senhora está pintando e pare de enumerar atributos que não tenho. O que vai pensar dona Tereza desse seu falatório?

- Não se preocupe, meu bem – advertiu Tereza, achando graça no carinho desmedido de Madalena pela filha. - Sua mãe não está exagerando. Você, realmente, é mais do que eu poderia sonhar para o meu Lucas. Mas ela há de concordar comigo que o meu filho também é um bom partido.

- Sim, esse casamento é do meu agrado. Já tenho o Lu como da família. Um cavalheiro, um rapaz garboso, cheio de vida. É uma pena que...

- Mãe! – ralhou Elisa, perdendo a paciência!

- Só ia dizer que ele não tem tino para os negócios do pai – retorquiu Madalena, contrariada.

- Isso não é da sua conta – atalhou Elisa, irritada. – O Lucas não deseja seguir os passos do pai e não quero que a senhora seja inconveniente manifestando publicamente as suas opiniões sobre assuntos que não lhe dizem respeito. – Perdão, Tereza. Ela, às vezes, fala sem atinar no que está falando.

- Madalena está certa. – concordou Tereza. - O Rômulo insiste para que o menino tome o seu lugar na companhia, mas ele se esquiva da responsabilidade de estar à frente dos negócios da família. – Nisso, conto com a sua ajuda, minha nora. Espero que depois de casados, consiga convencê-lo a pensar sobre a possibilidade de suceder o pai.

- Não sei, Tereza. Ele não me parece animado com a idéia. E para ser sincera, não acho que o Rômulo deveria insistir.

- Elisa, minha flor de Liz! Levante-se! Deixe-me vê-la – ordenou Madalena com os olhos marejados e sem se importar com a admoestação da filha, perita na arte de chamar-lhe a atenção para suas gafes nos círculos sociais. - Será a noiva mais esplendorosa que já existiu nesse mundo.

Olhou-se ao espelho mais uma vez. Às vésperas do casamento de seus sonhos, uma sensação desagradável a assaltara: não seria feliz. Esses pensamentos bailavam em sua cabeça, questionando a resolução deste passo, que seria um dos mais importantes de sua vida. A coroação de uma relação permeada de idas e vindas, ciúme, brigas e traições. Lucas a amava e dera inúmeras provas de seu incomensurável amor. Mas ela não estava segura de seus próprios sentimentos. Como poderia se casar com um homem que não a completava como mulher, que não mais a fazia sentir o friozinho na barriga todas as vezes em que a elogiava e se sentia obrigada a dizer que estava indisposta, rejeitando todos os convites dele de viagem ao litoral nos finais de semana? Ele não lhe dava mais o tesão dos primeiros encontros. E sentiu-se uma vagabunda ao constatar a última de suas insatisfações.

A empregada entrou esbaforida no quarto de Elisa, abrindo mão das convenções, gritando:

- Dona Elisa! Seu Lucas acabou de chegar!

- Rápido, Tereza! – interveio Madalena. – Ele não pode vê-la vestida assim. Dá azar. Vamos descer e mantê-lo ocupado, até que Elisa tire o vestido e os outros apetrechos. Oh, meu Deus, onde está a grinalda?

- Dentro da caixa menor, em cima da cama – respondeu Tereza, ao dar a ultima olhada na noiva majestosa que tinha diante dos olhos. – É uma linda mulher e sei que será uma boa esposa e uma mãe dedicada. O meu filho precisa de você.

Em seguida saiu, puxando Madalena e a velha costureira pelo braço.

- Não demore, filha. O seu noivo é tão afoito, que não vai querer esperar até o casamento para vê-la vestida de noiva.

- Desço num minuto, mãe. – respondeu Elisa, ansiosa para tirar a roupa que lhe pesava na alma. De repente, desejou que o chão se abrisse e pudesse desaparecer para todo o sempre. Como foi tola ao aceitar o pedido de casamento de Lucas. A última das infantilidades do rapaz, que nem de longe, sabia quais eram as implicações de uma vida a dois. Não tinham muitas coisas em comum. Conheceram-se na faculdade onde cursavam jornalismo. Uma paixão fulminante que dominara todo o seu ser. Oficializaram a relação e em pouco tempo tornaram-se noivos. Ele trancou o curso e quase a convenceu a fazer o mesmo, pois alegava que não precisaria trabalhar, sendo mulher de um homem rico. Ela, ofendida, dizia: “Posso até me tornar esposa de um parasita, mas igual a um marido assim, nunca serei!”. O rapaz achava graça. Pela primeira vez, conhecera uma moça independente, batalhadora, determinada, tão diferente de suas últimas experiências amorosas com mulheres que viam nele a possibilidade de entrarem num mundo de requinte, dinheiro e poder. O noivo tinha os seus encantos. Elisa adorava o seu sorriso luminoso, o porte atlético, a pele alva e delicada. Os cabelos negros, a voz aveludada, o jeito especial como a olhava. Mas o amor esmorece e com ele toda a empolgação dos planos de uma vida inteira juntos, e isso, dias antes do fatídico “sim” no altar, em frente à família, amigos e demais convidados. Após jurar a Deus que o amaria até que a morte os separasse.

O celular tocou. Abriu a bolsa sobre a cômoda e ao verificar no visor do aparelho quem lhe queria falar, assustou-se.

- Eu já lhe disse mais de mil vezes para não me ligar – falou nervosa ao telefone, tentando abafar a voz.

A pessoa do outro lado da linha foi categórica:

- Você não pode se casar, Elisa! Você não o ama! E sei que está grávida de um filho meu.




**CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Um dia, um adeus...


Tanto se fala na brevidade da vida, que tenho medo de não realizar em tempo todos os meus sonhos. Isso se torna um irresistível pressuposto para, às vezes, jogar tudo para o alto e seguir apenas a voz do coração. Sempre ouço dos mais velhos: “Aproveite a vida!”. E os que me aconselham a tal ato de coragem, parecem afundados em frustração, desgostosos com o fim da jornada, quase sempre pontuada pelas escolhas erradas. O tempo é cruel e o verso daquela bonita canção não me sai da cabeça: “A gente não nasce, começa a morrer...”.

A minha condição de humano me dá o direito de errar. Eu menti, traí, fui traído, senti inveja, amei e (odiei), desejei o mal, desejei o bem, fui aplaudido, vaiado, humilhado, perdoei, implorei o perdão, ri, chorei. E depois de experimentar essa miscelânea de ações e reações, percebi que delas tirei algum proveito, pois triste é envelhecer e não ter direito ao seu quinhão de sabedoria.

O meu pai faleceu em 2004. Os meus olhos ardem sempre que me lembro do caixão sendo fechado.


... assim é a vida.


sábado, 12 de setembro de 2009

TWITTER



Há tempos não escrevia uma crônica. Apesar de gostar desta modalidade textual, tenho me dedicado à ficção, que me “rouba” toda a disposição mental, criatividade e vigor físico. As manhãs de sábado costumam ser tão aprazíveis, que preferi não me debruçar sobre um novo conto, mas redigir um texto leve, antenado à realidade que me rodeia e, evidentemente, de mãos dadas com o bom humor.

Eu me cadastrei no “Twitter”, a nova sensação da internet. É uma ferramenta assaz interessante que dinamiza a relação interpessoal na rede mundial de computadores. Descobri entre os membros, o prefeito do município de Bauru, Rodrigo Agostinho (http://twitter.com/rodrigoprefeito) e verifiquei o quão atribulada é a sua agenda. Lá, ele nos conta em tempo real o que está fazendo. Frases como: “fui viajar e esqueci o sapato”, “a insônia voltou a me atacar” e “estou na rodoviária esperando o busão para ir para São Paulo”, revelam a rotina de um balzaquiano que, apesar de ocupar o cargo hierárquico mais importante da administração pública da cidade, não se esquiva ao direito de viver como um “homem” (aspas sugestivas) normal. As postagens do “Twitter” dão conta dos compromissos de um jovem prefeito sempre requisitado em eventos culturais. Conheço a sua trajetória política e percebo o quanto tem se empenhado em honrar os compromissos firmados com o povo bauruense. A gestão Agostinho concedeu um abono salarial razoável aos servidores municipais. Convenhamos, irrisório ao que merecemos, ainda assim, maior que o oferecido pelo candidato do PSDB, caso eleito fosse.

Muitas são as especulações ao seu respeito. Como toda figura pública, tem a vida pessoal esquadrinhada. Ele lava o cabelo? Gosta de homem? Veste-se mal? I don’t know it! No “Twitter”, por exemplo, afirma que adora uma baladinha. E quem não gosta? É POP, o meu chefe... É a MADONNA de nosso microcosmo. “Like a virgin, touched for the very first time...”

Comprei O ALQUIMISTA do Paulo Coelho. Um site listou todos os equívocos de coesão da mais aclamada obra esóterica do escritor, que é considerado pela crítica especializada, um assassino em potencial da Língua Portuguesa. O artigo, fundamentado, revela as incongruências gramaticais do MAGO brasileiro. Paulo não admite que seus livros sejam revisados e se defende das acusações de que não domina simples conceitos gramaticais, alegando que a sua intenção é aproximar a linguagem literária ao modo de falar das pessoas. Se isso vier a tornar-se um modismo, como será a vida do profissional de Letras que, como eu, quer trabalhar como revisor em grandes editoras? Não tenho interesse no enredo do ALQUIMISTA, mas faço questão de localizar os seus “tropeços lingüísticos”. Embora saiba que todos estamos sujeitos a deslizes neste idioma que ainda é um enigma aos que sempre o trataram com desdém.

Recomendo que adquiram o livro de crônicas “A arte de reviver” do consagrado autor de novelas, Manoel Carlos. Todos os textos versam sobre a invisível beleza do cotidiano.


See you!

terça-feira, 8 de setembro de 2009

RAIO-X




HELLO, FRIENDS!


UM RÁPIDO RAIO-X


Quero agradecer à receptividade de todos os amigos que me prestigiaram nas últimas semanas, acompanhando a produção do conto “Confissão è beira do lago”. Descobri que o meu amor pela Literatura excede a leitura dos clássicos ditos “antigos” ou contemporâneos, perpassando os caminhos sinuosos da escrita.

Criar um universo paralelo à realidade é um exercício terapêutico, divertido, prazeroso, embora desgastante do ponto de vista emocional. Vide a atuação de “Bernardo”, que me consumiu deveras todo o vigor mental. Quis dar profundidade verossímil a sua personalidade, o que me obrigou a conjecturar sobre o seu malfadado namoro, a bissexualidade reprimida e os valores religiosos revelados no decorrer da narrativa. A posição de Kaike me pareceu mais confortável e o idealizei como um sujeito “boa praça”, honesto, bom caráter e disposto a perdoar.

Não é fácil capturar a atenção do leitor e manter o seu interesse pela história. Em várias passagens inseri estratagemas textuais como o SUSPENSE. O narrador teve postura neutra, mas eficiente ao relatar o que via. Perscrutou os pensamentos dos personagens e nos revelou segredos considerados inconfessáveis. Postei as páginas conforme as redigia e tornei o desenrolar da trama aberto às discussões dos amigos que se envolveram com o dilema dos protagonistas. O lago e a quietude de suas águas deram-me a privacidade necessária para a fundamentação do amor incontido de “Bernardo”.

Consegui a intertextualidade com o meu livro de cabeceira: O CAÇADOR DE PIPAS.

As idéias estão fervilhando em minha cabeça. Outro conto logo estará em fase de produção. Tenho fascínio pelos dilemas humanos.


I want to write forever....


Muito obrigado!



Vinícius Guimarães