domingo, 7 de junho de 2009

I N FÃ N C I A de outrora


** Crônica escrita para a aula de "Leitura e Produção Textual" da Universidade Sagrado Coração - USC/ Bauru


- Saia desse computador! - grita a mãe, um fiasco na arte de intimidar. - Volte à mesa e termine o seu almoço.

- Me deixa em paz! - redargue o menino, exibindo exímia habilidade no manejo do jogo Counter-Strike (não recomendado para menores de 14 anos).

Congele a cena!

Voltemos dezesseis anos, num ponto qualquer da década de 90.

- Agora que já almoçou, faça o dever de casa! - ordena a mãe, em seu habitual tom peremptório.
Sozinho em seu quarto, o menino abre livros, cadernos e estojo.

Congele a cena!


As cenas acima ilustram peculiaridades da infância de gerações distintas. No 1º diálogo, temos uma criança de 8 anos, inteligente, indomável, manipuladora e que tem acesso às novas tecnologias. A mãe é permissiva. Sempre acaba lhe fazendo as vontades, embora saiba que os livros de psicopedagogia lhe conferem o direito de dizer "não" aos caprichos do filho desobediente. Isso me faz lembrar o quanto a minha mãe entendia sobre a teoria da "psicologia do chinelo". Sabia empregá-la com maestria se a situação assim o exigisse. Sempre que vejo algo inusitado na conturbada relação entre pais e filhos, disparo o clichê: "em meu tempo era diferente...". Além de me mostrar o quanto estou envelhecendo, revela que as transformações sofridas pelo mundo influenciam o olhar das crianças sobre a realidade que as cerca.

Nasci em meados da década de 80, mas tenho a ligeira sensação de que, naquela época, viver demandava bem menos esforço. O meu baú de recordações de infância está repleto de passagens que determinam os caminhos que escolhi durante o meu processo de amadurecimento. A imagem de rapaz pacato não condiz com o "capeta" que fui o que, de certa forma, tem a ver com o modelo de educação que recebi em casa, a relação de afeto que mantive com os meus pais e o prisma de inocência pelo qual enxergava o mundo.

Não quero que esta crônica se transforme num "picolé de chuchu", então tentarei traçar um divertido paralelo entre a minha infância e o que observo na vida e comportamento dos pimpolhos da geração 2000.

A Xuxa era jovem, viçosa, cheia de más intenções e comandava um programa que virou febre no final dos anos 80. A programação da TV Cultura era recheada de atrações educativas como RA-TIM-BUM, Glub- GLub e X-Tudo, e o impagáveis Chaves e Chapolin captavam a atenção da molecada. Os seriados japoneses como "Jaspion", "Lion Man" e "Changesman" faziam estrondoso sucesso com seus efeitos especiais toscos, cenários de papelão e histórias inimagináveis. "He-man", "She-Ra", "Caverna do Dragão" e tantos outros desenhos discutiam a moral dos homens. Quem não gostava de assistir aos filmes dos "Trapalhões" na sessão da tarde? Defendo a minha geração. Eramos bem servidos em relação à televisão. Hoje, crianças são incitadas à violência por animações que jorram sangue por toda a tela. Programas infantis baseiam sua programação em gincanas idiotas, sem cunho pedagógico e um dos maiores ícones infantis da atualidade é uma menina chamada "Maísa" que fala como gente grande e atrai a atenção pelo fato de desvendar o mundo adulto.

Sempre, antes de dormir, pedia a benção aos meus pais: - Bença, mãe! bença, pai! - O que equivale ao "boa noite!", mas carregado de respeito, devoção e consideração. Também dizia "Você não manda em mim!" em algumas situações, mas sempre acabava tomando um corretivo convincente. Hoje, há desrespeito, indiferença e gritaria na relação entre pais e filhos. Eles têm vergonha de andarem na rua de mãos dadas com a mãe. O "eu te amo" parece cair em desuso e diálogos saudáveis são escassos. Sempre quis ter brinquedos caros que via nas propagandas, mas compreendia que as necessidades básicas eram: pagar o aluguel, comer e vestir. O que vemos agora? Meninos e meninas tornando-se consumidores em potencial, que exigem e estão dispostos às mais terríveis chantagens para saciarem os seus desejos. Chinelo neles!

Brincar de "polícia e ladrão", "cabra- cega", e bolinha de gude, talvez sejam diversões ainda comuns, mas a era da internet logo fará com que tais passatempos desapareçam, para darem lugar a outras distrações que estimulam o individualismo, egocentrismo e solidão. Lembro da algazarra das brincadeiras de rua. O estreitamento dos laços de amizade, os costumeiros mergulhos no rio e as incessantes procuras pelos pés de manga, goiaba e jabuticaba. Os ultrapassados fliperamas do bar do "Baltazar". Quem nunca jogou "Street Fighter", "Double Dragon", e o fantástico "Mortal Kombat 1"? São peças de museu, mas populares entre crianças e jovens da época. O "plasytation 3" era um sonho distante, que tornou-se realidade, com gráficos perfeitos, realidade digital e jogabilidade surpreendente. Isso me faz pensar que determinados avanços tecnólogicos impedem as crianças de exercitarem a capacidade de imaginar.

Não havia o "Harry Potter", mas haviam as férias no sítio de Dona Benta. Li Monteiro Lobato, mas J. K. Rowling é símbolo da modernidade literária e não é tão ruim. Nos tempos em que frequentava o colégio, não via com tanta frequência o desrespeito com que são tratados os professores. Colocávamos os educadores em pedestais. Mas são outros tempos, valores, idéias, concepções. Às vésperas de me tornar um professor de Língua Portuguesa em exercício, desejaria ter como alunos aqueles estudantes da minha geração, que nutriam pela figura do docente um misto de temor, respeito e admiração.

Saudosa infância que não volta mais! :(





2 comentários:

Daniela disse...

ah infância que não volta mais!
sem responsabilidades, nem preocupações com nada: dinheiro, estudo, trabalho!...nada disso. a única preocupação era brincar, brincar e brincar!!!
era uma maravilha! eu era feliz e não sabia!!! rsss
tive uma ótima infância, disso eu não posso reclamar: tive um cachorro que gostava de bater perna, tive um galo branco de estimação, nadei em rio, chupava manga verde com sal, brincava de
beti, pé na lata, cor da bandeira etc, etc
é, a vida adulta apesar de na maioria das vezes ser uma chatice sem fim, pelo menos temos os amigos em quem podemos confiar, beber (socialmente), falar bobagens, dar risadas (dos outros) e descontrair!
adorei o texto!
=]

Unknown disse...

Vi!!
Simplesmente perfeito!!!
Adorei!!!!